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Assinala-se hoje o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e a sua Abolição

Abolição do tráfico de escravos
Abolição do tráfico de escravos Imagens: DR

Redacção

Publicado às 13h12 23/08/2025 - Actualizado às 13h12 23/08/2025

Luanda - Assinala-se hoje o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e a sua Abolição, data instituída, em 1998, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que visa contribuir para a preservação da memória ligada à escravatura, compreensão da história e consciencialização para denúncia e combate à prática.

 Um texto publicado no Jornal de Angola, a propósito da efeméride, indica que a agência especializada da ONU defende que esse capítulo da história mundial deve servir de lição para “desconstruir os mecanismos retóricos e pseudocientíficos” que viabilizaram o crime da escravatura e da escravidão.

Reflexão colectiva

De acordo com os objectivos do projecto intercultural, “As Rotas dos Povos Escravizados"”da Unesco, o dia deve oferecer uma oportunidade de reflexão colectiva sobre as causas históricas, os métodos e as consequências da tragédia.

Desde o seu lançamento em 1994, a iniciativa tem contribuído para a produção de conhecimento, desenvolvimento de redes científicas de alto nível e o apoio a iniciativas de memória sobre o tema escravidão, sua abolição e a resistência que gerou.

Hoje, segundo a Unesco, a acção contribui para “desracializar” e “descolonizar” o imaginário, desconstruindo os discursos baseados no conceito de raça que justificavam esses sistemas de exploração.

O programa também tem a finalidade de promover as contribuições dos afrodescendentes para o progresso geral da humanidade.

Dignidade humana

Para a directora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, é hora de abolir, de “uma vez por todas, a exploração humana e reconhecer a dignidade igual e incondicional de cada indivíduo”.

Assim, pede que a data seja uma ocasião para lembrar às “vítimas e defensores da liberdade do passado para que possam inspirar as gerações futuras a construir sociedades harmoniosas”.

História sobre a efeméride

Em 1789, a base da riqueza da burguesia francesa era o comércio de escravos e as colónias. Praticamente “todas as indústrias que se desenvolveram em França durante o século XVIII tiveram a sua origem em bens e mercadorias destinados ou à costa da Guiné ou à América” (James: 2010). Mais de 20% da burguesia dependia de actividades comerciais ligadas à exploração de mão de obra escrava (Buck-Morss: 2017).

Buck-Morss enfatiza que, no século XVIII, “a escravatura tinha-se tornado a metáfora fundamental da filosofia política ocidental, conotando tudo o que havia de mau nas relações de poder” e que “a liberdade, sua antítese conceitual, era considerada pelos pensadores iluministas o valor político supremo e universal”.

Mas, à medida que “a sistemática e altamente sofisticada escravização capitalista de não europeus como mão de obra nas colónias se expandia”, a exploração “de milhões de trabalhadores escravos coloniais era aceite com naturalidade pelos próprios pensadores que proclamavam a liberdade como o estado natural do homem e seu direito inalienável”.

Nos primeiros meses de 1791, os negros de São Domingos organizaram-se para a Revolução. A 16 de Agosto, um edifício foi incendiado numa das centenas de plantações de açúcar da rica colónia caribenha. Mas as autoridades de Le Cap rejeitaram “a ideia de que escravos negros sem educação poderiam conceber tal esquema”:

“ (...) Os brancos não podiam imaginar que os negros que tinham tratado com tamanho desprezo por tanto tempo fossem capazes de se organizar para derrubar os seus opressores” (Popkin: 2012)
A Revolução dos Escravos entrou, de facto, “na história com a característica peculiar de continuar a ser impensável, mesmo enquanto acontecia” e fez-se notar a incapacidade por parte da maioria dos contemporâneos da revolução de “entender a revolução em curso nos seus próprios termos” (Trouillot: 2015).

Toussaint Louverture

“Entre 1793 e 1794 todos eles se tornaram livres. Ou seja: não precisou a metrópole francesa dizer que a escravidão tinha acabado. Louverture conseguiu acabar com a escravidão antes disso”, escreveu o historiador e sociólogo Wesley Santana, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), sobre o papel desempenhado por Toussaint Louverture.

O personagem em questão é Toussaint Louverture (1743-1803). Ele foi o principal líder da chamada Revolução Haitiana, tornando-se então governador de São Domingos — como se chamava a então colónia francesa, Haiti depois da independência. Durante o processo revolucionário, o regime escravocrata foi abolido em todo o território.

François-Dominique Toussaint L’Ouverture, nascido a 20 de Maio de 1743, foi o maior líder da Revolução Haitiana e, em seguida, governador de Saint Domingue, o nome do Haiti na época. L’Ouverture veio de uma família africana aladá, um povo que se encontra no Oeste Africano, no actual Benin.

A independência acontece no dia 1 de Janeiro de 1804, a qual não é reconhecida em princípio pelas potências externas, mas se tratou de um fim glorioso, que não foi testemunhado por Toussaint Louverture, na medida em que, debilitado pela enfermidade e isolado na sua cela em Joux, acabou por morrer no dia 7 de Abril 1803.

O seu legado tem imperado até os dias actuais do século XXI, imortalizado em topónimos, estátuas em sua homenagem, filmes, peças e minisséries.

Curar as consequências psicológicas da escravidão

Nos últimos anos, a investigação inovadora em psicologia, psicologia cognitiva e epigenética tem destacado que o stress traumático pode não só alterar o comportamento, a cognição e o funcionamento psicológico, mas os seus efeitos também podem ser transmitidos às gerações subsequentes.

As comunidades transportam a história dos acontecimentos desastrosos e das suas consequências no conteúdo do seu ADN,mas também na sua representação da vida em geral e na forma como comemoram a história.

Para o Projecto “Rotas dos Povos Escravizados” da UNESCO, o desafio é ampliar essa abordagem, reconhecer os impactos da dissonância cognitiva pós-colonial e desenvolver um “mapa de cura” para melhor compreender como curar indivíduos e comunidades impactados intergeracionalmente e, assim, abordar estruturas de desigualdade socioeconómica baseadas em danos históricos.

Este trabalho sobre o antirracismo articula-se em torno das iniciativas sobre preconceitos e estereótipos de género incorporados nas nossas culturas, leis e instituições que impedem o empoderamento das mulheres e raparigas, especialmente as de ascendência indígena e africana, e o pleno gozo dos seus direitos humanos.

Consequências actuais

A UNESCO lembra que a tragédia da escravatura deve oferecer uma oportunidade a todos de reflectirem sobre as causas históricas, os métodos e consequências para as vítimas.

A directora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, numa declaração recente, pediu a Governos em todo o mundo para organizarem eventos que incluam toda a população numa grande aula de história com debates especialmente entre jovens, artistas e intelectuais.

Afirmou que nesse dia, a UNESCO presta tributo à memória de homens e mulheres que se revoltaram em Santo Domingo, actual Haiti, abrindo caminho para o fim da escravidão e de uma prática desumana, presente ainda sob as mais disfarçadas formas, que importam ser denunciadas, combatidas e desmanteladas.

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