Crise política na França pode abalar a Zona Euro


A crise política e económica que se aprofunda em França tem repercussões diretas sobre Portugal, num valor superior a 30 mil milhões de euros, segundo dados compilados pelo Diário de Notícias.
França é atualmente o segundo maior destino das exportações nacionais, o quarto maior investidor estrangeiro no país e uma das mais importantes fontes de remessas de emigrantes.
A instabilidade política em Paris, com a moção de confiança marcada para 8 de setembro que poderá ditar a queda do governo de François Bayrou, aumenta o risco de impacto imediato na economia portuguesa e na própria Zona Euro.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco de Portugal (BdP), só em 2024 França comprou a Portugal quase 16 mil milhões de euros em bens, serviços e turismo.
No mesmo período, o investimento direto francês em território nacional somou 15,4 mil milhões de euros, com forte presença em setores como imobiliário, hotelaria, grande distribuição e indústria, representando entre 50 e 60 mil empregos.
A comunidade francesa residente em Portugal, que vai desde reformados a nómadas digitais, reforça ainda mais este vínculo económico.
Outro fator determinante é a comunidade portuguesa em França, uma das maiores da diáspora nacional. Segundo o BdP, no ano passado, os emigrantes portugueses enviaram mais de 1,1 mil milhões de euros em remessas para Portugal.
Assim, o valor da exposição direta de Portugal à crise francesa supera os 30 mil milhões de euros, sem contar com eventuais efeitos indiretos, como o agravamento das taxas de juro e uma instabilidade prolongada na Zona Euro.
A instabilidade ganhou novos contornos quando Bayrou anunciou a intenção de submeter o Orçamento de 2026 a um voto de confiança.
O plano prevê medidas de austeridade de 44 mil milhões de euros para reduzir o défice, incluindo cortes sociais, aumento de impostos e até a eliminação de dois feriados nacionais. “No coração desta crise está o orçamento de 2026”, sublinhou Charlotte de Montpellier, economista do grupo ING, ao Diário de Notícias. Segundo a especialista, o plano é rejeitado por todos os principais partidos franceses, devido ao seu impacto social e falta de consenso político.
O ministro das Finanças, Eric Lombard, chegou a admitir publicamente que França poderá ser forçada a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), embora depois tenha tentado relativizar o cenário.
“Não estamos atualmente sob a ameaça de qualquer intervenção, nem do FMI, nem do Banco Central Europeu (BCE), nem de qualquer organização internacional”, declarou, tentando acalmar os mercados. Ainda assim, as taxas de juro francesas dispararam para máximos de 14 anos, superando mesmo as da Grécia.
Apesar do aumento da pressão, alguns analistas afastam para já a possibilidade de intervenção do BCE. Salomon Fiedler, economista principal do banco Berenberg, destaca que, embora Frankfurt tenha margem de manobra para agir, “seria extremamente difícil explicar porque é que a França justifica agora a ativação” do Instrumento de Proteção da Transmissão Monetária.
Contudo, o agravamento da crise francesa continua a ser visto como uma ameaça central não só para Paris, mas para toda a estabilidade da União Europeia e para países como Portugal, cuja economia está fortemente ligada ao destino da França.