João Lourenço defende que África deve ser parte activa da solução global de saúde


Luanda O Presidente da União Africana (UA) defendeu, terça-feira, em Genebra, Suíça, que o continente deve ser parte activa da solução global de saúde como parceira plena, com capacidade de produção, centros de inovação e redes de investigação próprias, anunciou o JA online.
Ao discursar na 78.ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS), João Lourenço congratulou-se com a assinatura iminente de um Memorando de Entendimento actualizado entre a Comissão da UA e a Organização Mundial da Saúde, que renova e reforça a parceria estratégica, baseando-se nas conquistas do, acordo anterior.
O Presidente João Lourenço anunciou uma contribuição de Angola no valor de oito milhões de dólares para a Ronda de Investimentos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Angola, disse, junta assim aos 14 países africanos que já prometeram contribuições do género.
Afirmou que todos os países têm o dever de proteger e reforçar a Organização Mundial da Saúde contra todos os aspectos que possam colocar em causa a sua grande utilidade, por indefinições de natureza financeira e política.
O estadista angolano afirmou que a OMS continua a ser o parceiro essencial para a maioria dos países, muito especialmente em momentos de necessidade e de aflição, pela grande utilidade e oportunidade dos seus programas técnicos, dos seus sistemas de alerta precoce e das suas operações no terreno.
“Não tenhamos dúvidas de que o mundo precisa de uma Organização Mundial da Saúde mais forte, com financiamento sustentável e previsível, para garantir a sua plena operacionalidade”, frisou, salientando a particularidade de a organização ser a única instituição com um mandato universal para proteger a saúde global e promover a equidade, assim como a única plataforma de cooperação multilateral em matéria de saúde pública mundial.
“Não obstante esta realidade, a OMS opera, hoje, com um modelo de financiamento em que apenas 18 por cento do seu orçamento programático é coberto por contribuições fixas e previsíveis”, acrescentou.
Para o líder da União Africana, o continente está unido em apoio à proposta do aumento das contribuições fixas, porque compreende que apostar na OMS “não constitui um acto inútil, mas sim um investimento estratégico no futuro da humanidade”.
Embalando na mesma visão, disse que investir na OMS é, também, um compromisso com a segurança global, com a prosperidade mútua e com um mundo menos vulnerável.
João Lourenço exaltou, na ocasião, o espírito de resiliência da OMS, que, na sua óptica, tem enfrentado, ao mesmo tempo, uma conjuntura difícil de declínio do investimento, de contribuições aquém dos compromissos e críticas injustas sobre uma suposta ineficiência ou, pior ainda, sobre a sua pretensa inutilidade.
Desafios enfrentados pela União Africana
O líder da organização continental assegurou, ainda, que no fim deste ano serão concluídos os desafios que o continente teve de enfrentar durante o primeiro quarto do século XXI, de entre os quais relaçou a pandemia da Covid-19 como o caso mais ilustrativo, sublinhando o facto de ter evidenciado as fragilidades, “compelindo-nos hoje a pensar fora do quadro habitual, para identificar e implementar as oportunidades que surgem das crises”.
“Preocupa-nos constatar que a perspectiva de se materializar a Agenda Global da Saúde e a Agenda 2063 da União Africana vai-se afastando ao ritmo da fragilização contínua dos nossos respectivos sistemas de saúde, sobrecarregados e afectados por crises económicas persistentes, sob a pressão recorrente de conflitos armados e severamente impactados pelas epidemias, pandemias e as alterações climáticas”, deplorou o Estadista angolano.
Apesar deste contexto difícil, referiu, não se deve nunca perder a esperança, apelando ao reforço da convicção de que é nas situações de crise que existe a oportunidade e o dever de redefinir os paradigmas, para construir um futuro de maior equidade e resiliência, que se forja na adversidade e se reforça com a solidariedade, não apenas para o continente, mas para todo o mundo.
Tal como acontece em matéria ambiental, acentuou, os países do continente raramente representam o ponto de partida das crises, embora estejam quase sempre na linha da frente do grupo de vítimas destas crises que transcendem fronteiras.
“Em matéria de saúde, observamos a mesma dinâmica, em que cada retrocesso do apoio global tem um impacto decididamente negativo nos nossos sistemas de saúde, com consequências directas na vida dos nossos cidadãos e particularmente das nossas crianças, o que põe claramente em perigo a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconómico do continente africano”, sublinhou.
Apelou, ainda, aos países membros da OMS para que reforcem as contribuições, num gesto responsável de solidariedade global, a fim de compensar os apoios que lhe foram retirados e garantir que continue a cumprir o papel vital na protecção da saúde dos povos.
“Não podemos continuar a viver num mundo onde a possibilidade de uma criança sobreviver dependa do local onde nasceu, ou onde uma mãe tenha de escolher entre comprar medicamentos ou alimentar os seus filhos”, defendeu, para sublinhar que para se avançar no objectivo comum, se deve encarar os sistemas de saúde como ganhos importantes e não como despesas desnecessárias.
“O que implica valorizar os cuidados primários de saúde, investir nos profissionais do ramo e garantir que nenhuma comunidade fique para trás, seja ela urbana, rural, rica ou pobre”, acentuou.
Mais do que a necessidade de construção de mais infra-estruturas hospitalares, formar mais profissionais de saúde, produzir ou adquirir mais medicamentos e vacinas, o Presidente da República considera que falar de saúde implica, também, o investimento na educação dos cidadãos, no saneamento básico, no acesso à água potável, a uma alimentação saudável, à habitação e à prática de actividade desportiva.
Aprovação do Acordo Pandémico
João Lourenço saudou o “consenso histórico” do projecto do Acordo Pandémico da OMS, que destacou ser mais do que um compromisso moral, por se tratar, sobretudo, do primeiro instrumento jurídico do género a ser concebido pela comunidade internacional em matéria de saúde e que permitirá um quadro de cooperação mais sistemático e alargado, “dentro do qual nenhum país enfrentará sozinho a próxima pandemia”.
O continente africano, contribuiu de forma construtiva para este processo, defendendo constantemente um acordo baseado na equidade, na solidariedade e no acesso justo a vacinas, medicamentos e meios de diagnóstico, incluindo a produção local, regional, a transferência de tecnologia e mecanismos de partilha de benefícios.
O objectivo do continente, referiu, é o de garantir que até 2035, 55 por cento dos produtos de saúde e 50% das vacinas sejam produzidos no continente. Estes avanços, sublinhou João Lourenço, contribuirão para o reforço dos nossos sistemas de saúde, com particular impacto na saúde materna e infantil e na diminuição do peso das doenças transmissíveis e não transmissíveis.
“A cólera é um dos exemplos mais claros de uma acção urgente”
Para o líder da União Africana, o surto de cólera representa um dos exemplos que justifica a necessidade de mobilização mundial para uma acção urgente de combate à doença.
Indicou que desde o início deste ano pelo menos 15 países em Africa estão simultaneamente a combater surtos de cólera, tendo declarado pandemia como uma emergência nacional.
“Mobilizámos significativos recursos em fundos domésticos, tal como fizemos para enfrentar a Covid-19”, esclareceu, fazendo uma actualização à realidade angolana.
“Fizemos parcerias com o CDC África, a OMS, o UNICEF e a GAVI para distribuir vacinas e foram montados e equipados centros de tratamento”, acrescentou, considerando tratar-se de uma emergência continental, que exige uma resposta também do continente.
O Estadista angolano anunciou, ainda, a realização, a propósito, de uma Cimeira de Alto Nível de Chefes de Estado africanos, nos próximos dias, na República da Zâmbia, a ser convocada pelo Presidente Hakainde Hichilema, na qualidade de campeão da União Africana no combate à cólera.
A Cimeira, prosseguiu, vai concentrar-se inteiramente na cólera e no desenvolvimento de soluções de longo prazo e multissectoriais para água, saneamento, higiene, vigilância e fabricação de vacinas.
Revelou, também, estar em construção o Fundo Africano para Pandemias e investimentos em sistemas de saúde climática, referindo que a paz e a saúde estão interconectadas, realçando o facto de a insegurança, os deslocamentos forçados e os conflitos armados minarem o acesso aos cuidados em todo o Sahel, os Grandes Lagos e o Corno de África.
Apelou, igualmente, à renovação do comprometimento com a Cobertura Universal de Saúde como o instrumento mais poderoso de equidade global, mas também com a responsabilidade de proteger a vida e a dignidade de todos.
A crise climática, de acordo com o Presidente da República, está a alterar o perfil sanitário da saúde em África, enfatizando que o continente enfrenta o aumento da carga de doenças como a cólera, a malária e outras arboviroses, bem como a insegurança alimentar devido às cheias e à seca.
“A União Africana está plenamente comprometida com uma visão Pan-Africana que promova a integração para o crescimento sustentável e a prosperidade, com impacto na qualidade de vida dos seus povos”, ressaltou.